quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Resenha 3.

ALVES, R. F.; BRASILEIRO, M. C. E.; BRITO, S. M.  Interdisciplinaridade: um conceito em construção. Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 139-148, jul./dez. 2004. [resenha]

RESENHA

Ivanderson Pereira da Silva


As autoras colaboram para a construção desse artigo a partir de formações e experiências distintas. Uma delas é Mestre em Saúde Coletiva, outra é Doutora em Psicopatologia Clínica e a terceira, Doutoranda em Educação. Todas elas são docentes da UEPB. Nesse estudo que enfoca o conceito de interdisciplinaridade, as autoras vão defender uma visão marxista da Interdisciplinaridade em oposição uma visão a-histórica do conceito, sendo essa segunda predominante e decorrente dos primeiros estudos acerca da Interdisciplinaridade.
O artigo inicia defendendo que não existe um consenso entre as diferentes áreas da ciência acerca o conceito de interdisciplinaridade, dada a natureza de cada uma delas. Tem por objetivos “mostrar que os discursos sobre a interdisciplinaridade encontram-se aportados em dois paradigmas científicos: a filosofia do sujeito e o marxismo dialético, e, em seguida, localizar a Teoria das Representações Sociais no contexto destes discursos” (p. 140).
Dois serão os teóricos que a partir desta visão disseminarão o conceito no Brasil: Japiassú e Ivani Fazenda. O primeiro vai explorar a Intedisciplinaidade do ponto de vista da Epistemologia e a segunda do ponto e vista pedagógico. Segundo as autoras, “Japiassú foi responsável por introduzir, no Brasil, a partir de 1976, as concepções sobre interdisciplinaridade, decorrentes do Congresso de Nice, na França, em 1969” (p. 141).  Ivani Fazenda foi uma estudiosa brasileira da área do Currículo e “o seu trabalho dá continuidade ao de Japiassú, com utilização das mesmas nomenclaturas, divergindo, entretanto, no que diz respeito à atitude pessoal para atingir a interdisciplinaridade” (p. 142).
Ao situar a origem das discussões acerca do conceito de Interdisciplinaridade no Brasil, as autoras vão adotar Pedro Demo como referencial teórico primeiro para se posicionarem contrárias à filosofia do sujeito a partir da qual a disciplinaridade vai ser encarada como um mal que deve ser curado com a interdisciplinaridade. Em oposição a essa concepção vão se aproximar o entendimento de Pedro Demo de que “A interdisciplinaridade quer “[...] horizontalizar a verticalização, para que a visão complexa seja também profunda, e verticalizar a horizontalização, para que a visão profunda seja também complexa” (p. 142)”.
 Os três teóricos explorados até então neste estudo, situam-se em campos do conhecimento distintos. Enquanto que Japiassú vai concentrar os estudos acerca da interdisciplinaidade no campo da Epistemologia, Ivani Fazenda no campo dos estudos sobre Currículo, Pedro Demo vai estudar este conceito a partir da Pesquisa. Após a exposição dessas diferentes concepções da Interdisciplinaridade, as autoras vão eleger como ponto desta primeira parte do estudo o Simpósio Interdisciplinaridade em Questão, realizado em Campina Grande – PB, Brasil, 1998. E vai destacar o que elas chamaram de “consensos” desse simpósio. São eles:

Na visão de Siepierski (1998), não existe consenso quanto ao significado de interdisciplinaridade. Ele a entende como uma possibilidade de transposição das limitações da compartimentalização. a característica principal da interdisciplinaridade é o conflito e não a harmonia.
Burity (1998), sem se dizer contrário à interdisciplinaridade, chama a atenção para a perspectiva ideológica que transforma este tema em um fenômeno de moda. E diz que, por trás dele, existe um processo ideológico maquiado pela exigência do discurso oficial da academia ou, ainda, pela lei do mercado globalizado a qual pede profissionais cada vez mais eficientes.
Teixeira (1998) defende a interdisciplinaridade e argumenta que reconhece os progressos do conhecimento científico produzidos até agora, mas aponta os limites explicativos das perspectivas especialistas. E afirma que é preciso estabelecer um diálogo entre as especialidades as mais distanciadas. (p. 143, grifo do resenhista)

As autoras vão defender que o mais expressivo contraponto do que se discutiu até então resultante deste Simpósio “é o aporte interdisciplinar originário do paradigma marxista dialético, que surge como proposta crítica ao movimento existente” (p. 144). Tal visão, apontada por Burity (1998), é veementemente defendida por Jantsch e Bianchetti (1997a) quando argumentam que a interdisciplinaridade não pode ser concebida fora dos modos de produção históricos em vigor. Para as autoras, esses teóricos,

situam a interdisciplinaridade no campo da epistemologia e criticam a sua vinculação à filosofia do sujeito, pelo fato de não ser esta filosofia a base para a interdisciplinaridade, à medida que recusam a acepção subjetivista, na qual o homem é superestimado no processo de construção do conhecimento. Recusam, também, a acepção iluminista, cuja concepção da interdisciplinaridade remete à idéia de método, sugerindo que, através dele, seja possível resgatar a Ciência dos desvios da especialização. Rejeitam, ainda, a idéia de realização de trabalhos em equipes – pesquisas e teses – como saída para a concretização da interdisciplinaridade. Mostram-se contrários à acepção positivista e ao “[...] racionalismo cartesiano que afirma um sujeito (pensante) que se põe a si mesmo” (p. 12). Finalmente, defendem uma concepção dialética ou histórica da produção do conhecimento/pensamento pela ênfase dada à relação entre objeto e sujeito, como prerrogativa para a interdisciplinaridade, posto que nem objeto e nem sujeito são autônomos. (p. 144).

Tal visão vai se reforçada por Etges (1997) que “faz uma crítica à reflexão atual sobre a interdisciplinaridade, por ser a sua orientação a-histórica. Para ele, a interdisciplinaridade deve orientar-se na direção da visão dialética ou histórica” (p. 144). As autoras vão se posicionar ao lado de Veiga Neto (1996) que estuda e entende a interdisciplinaridade como um processo pertencente à disciplinaridade e não como posição antagônica que deve ser superada (p. 145).

Para Veiga Neto, tanto a disciplinaridade como a interdisciplinaridade são partícipes de um mesmo processo histórico educacional. Ele não vê nesta última o meio único de se produzir conhecimentos capazes de desvendar a realidade objetiva de forma inequívoca. Entende a interdisciplinaridade como um trabalho conjunto de várias disciplinas em direção do mesmo objeto de pesquisa, com o propósito de aproximá-lo, cada vez mais, da realidade objetiva, à medida que constrói sua perspectiva dialética. (p. 145)

Com esta citação as autoras finalizam a primeira parte do artigo evidenciado que de fato, se aproximam da visão Marxista Dialética da Interdisciplinaridade em oposição da concepção oriunda da filosofia o sujeito defendidas por Japiassú, Ivani Fazenda e Pedro Demo.
Na segunda parte do texto, as autoras vão enfocar a interface interdisciplinaridade / representações sociais. As autoras vão defende que “seria oportuno valorizar os programas de pesquisa que buscam cada vez mais articular o sujeito e o objeto de estudo numa perspectiva contrária à filosofia do sujeito. Indica-se a utilização de multimétodos de pesquisa e a articulação de teorias que concebem os fenômenos, para os quais buscam explicação, de uma forma essencialmente histórica, a exemplo das teorias: Representações Sociais, Práticas Discursivas, Análise de Discurso, Dialética Marxista, entre outras” (p. 147). E concluem que “interdisciplinaridade e representações sociais se localizam em campos que ora se constroem, ora apresentam características de superação paradigmática: a Teoria das Representações Sociais, promovendo o avanço da Psicologia Social e permitindo uma compreensão do ser humano de forma dialética, e a Interdisciplinaridade, desenvolvendo-se na medida em que desbrava as fronteiras da filosofia do sujeito” (p. 147).
Evidencia-se que o posicionamento das autoras está centrado na defesa da Dialética Marxista em detrimento da Filosofia do Sujeito. Ao longo do seu artigo, elas apresentam dados que sinalizam a necessidade de ampliar e aprofundar a discussão acerca do conceito de Interdisciplinaridade. Ainda que estudiosos de diferentes áreas do conhecimento não consigam chegar a um consenso quanto a este conceito, existe a necessidade de dar continuidade a esse tipo de estudo uma vez que romper com paradigmas cristalizados e um movimento natural e necessário para a evolução do conhecimento humano.
As autoras foram geniais ao situar o lugar filosófico a partir do qual o conceito de Interdisciplinaridade foi primeiramente discutido, bem como essa gênese implicou na representação social deste conceito e na forma como ele se cristaliza na academia. O marco apontado pelas autora para evidenciar o aprofundamento da discussão e uma possibilidade de rompimento e superação desta concepção minimalista do conceito de Interdisciplinaridade foi o Simpósio Interdisciplinaridade em Questão, realizado em Campina Grande no ano de 1998 a partir do qual vários estudos marxistas apontavam um novo olhar do conceito de Interdisciplinaridade em oposição aos estudos decorrentes da filosofia do sujeito.
Entendendo que o Marxismo é uma concepção filosófica radical que aponta a revolução como a única possibilidade para a superação dos problemas postos e que tem em seu bojo o materialismo histórico, cumpre ponderar as conclusões das autoras.
Segundo elas, as Representações Sociais, as Práticas Discursivas, a Análise de Discurso, e Dialética Marxista são metodologias de pesquisa interdisciplinares e que por esse natureza perpassam facilmente por quaisquer das práticas de pesquisa em Ciências Humanas. Cumpre no entanto destacar que tais metodologias não são suficientes para dar conta das infinitas problemáticas de pesquisa que o cenário contemporâneo aponta. A história evidencia que a revolução de fato representa um caminho para a mudança. Há que se perceber inclusive que tipo de mudança se deseja efetivar. No campo político-econômico, a radicalidade marxista, em minha concepção, deve não somente ser favorecida, mas de fato adotada, no entanto, elegê-la como o caminho pelo qual o conceito de Interdisciplinaridade deve ser explorado, em minha concepção, é perigoso.
Múltiplos olhares sobre o mesmo objeto, no caso a Interdisciplinaridade, só ajudariam a ampliar a discussão. Que dialogue os marxistas com os epistemólogos que deste conflito seja interdisciplinar a interdisciplinaridade.


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